“Well-run libraries are filled with people because what a good library offers cannot be easily found elsewhere: an indoor public space in which you do not have to buy anything in order to stay.” Zadie Smith

terça-feira, 6 de julho de 2010

ALBERTO MANGUEL EM ENTREVISTA AO "PÚBLICO"

[foto de Rui Gaudêncio]

De passagem por Lisboa, Alberto Manguel concedeu uma entrevista ao jornal Público que vale a pena ler na íntegra aqui e da qual reproduzimos alguns excertos:


Penso que somos animais leitores. Vimos ao mundo com uma certa consciência de nós próprios e do que nos rodeia e temos a impressão de que tudo nos conta histórias: a paisagem, o rosto dos outros, o céu, em tudo encontramos linguagem. Tentamos desentranhá-la, tentamos lê-la. Nesse sentido, não podemos existir enquanto seres humanos sem a leitura. Inventámos a linguagem escrita, a linguagem oral, para tentarmos comunicar essa experiência do mundo, para nos contarmos histórias e através delas, falar dessa experiência.No meu caso, o conhecimento do mundo passou sempre pelos livros. Tive uma infância um pouco particular: o facto de o meu pai pertencer ao corpo diplomático fez com que viajássemos muito e que eu não tivesse nenhum sitio onde me sentisse em casa. A minha casa estava nos livros. Regressar à noite aos livros que conhecia, abri-los e constatar com imenso alívio que o mesmo conto continuava na mesma página, com a mesma ilustração, dava-me uma certa segurança e um certo sentido do lar.


Nem toda a gente é leitora, mas acho que, no fundo, é porque as circunstâncias fazem que não sejamos todos leitores. A possibilidade está em todos nós. O que quero dizer é que suponho que há pessoas que nunca se apaixonam, suponho que há pessoas que nunca viajam, suponho que há pessoas que não têm uma certa experiência do mundo. E da mesma maneira, existem muitas pessoas que não são leitoras. Mas a possibilidade está dentro de nós.A proporção de leitores numa dada sociedade nunca foi muito grande – seja na Idade Média, seja no Renascimento ou no século XX. Os leitores nunca foram a maioria. Se, por exemplo, todos os espectadores de um único jogo de futebol comprassem um livro, uma tarde, esse livro passaria a ser o best-seller mais espectacular da História da literatura.


O problema com a Internet é que nos dá a ilusão de possuirmos toda a informação que contém. Mas o facto de essa informação existir não significa que seja nossa. Temos de saber procurá-la, saber se é fiável ou não, saber utilizar as associações que fazemos. Podemos brincar com a Internet dias a fio, à procura de anedotas, de bocados de informação recôndita, etc. É óptimo, mas tem de haver uma actividade mental capaz de incorporar, destilar, recriar essa informação. Ora, um dos grandes problemas actuais dos bibliotecários é que os jovens que chegam às bibliotecas, e que estão habituados a utilizar a Internet para fazer uma espécie de colagem de informação, não sabem ler. Não sabem percorrer um texto para extrair aquilo que precisam, repensá-lo, dizê-lo com as suas próprias palavras, comentá-lo, associá-lo ou resumi-lo - e sobretudo, memorizá-lo -, actividades que fazem parte da leitura enquanto acto criativo. Estão habituados à ideia de que, como isso está lá e está acessível, já é deles. Não é assim.

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