“Well-run libraries are filled with people because what a good library offers cannot be easily found elsewhere: an indoor public space in which you do not have to buy anything in order to stay.” Zadie Smith

domingo, 10 de outubro de 2010

A ESCOLA É MADRASTA DA LEITURA





Li, recentemente, na revista Ler, esta entrevista de Carlos Vaz Marques a António Barreto. Dela respiguei as seguintes passagens. No entanto, toda a entrevista pode ser lida aqui

[...] Posso concluir que já tem, por antecipação, uma certa nostalgia em relação ao mundo do livro tradicional?
Tenho, mas há uma coisa que lhe vou dizer: não é por causa do fetichismo do livro. Quase toda a gente diz isso: «Ah, o cheiro, a cola, a capa, o papel, a tinta de impressão.» Tudo isso é muito engraçado mas não é isso que me faz correr. 
A nostalgia é por causa do tempo de meditação, do tempo de leitura, do tempo de saborear, do tempo de ponderar o que se está a ler, de parar, voltar, recomeçar. Ler implica ter uma vida para a leitura; que na sua vida tem de haver espaço para a leitura. Quando você já não tem espaço para a leitura, não é o cheiro que vai substituir o que quer que seja, não é o objecto físico que conta.
[...]




Que papel tem, em tudo isto, a escola?
A escola foi uma ajuda muito madrasta da leitura, em Portugal. Não esteja à espera de um discurso nostálgico a elogiar o tempo da minha juventude porque eu vou dizer-lhe o contrário. Se não fosse a minha família – o meu pai, a minha mãe, as minhas tias, os meus avós – e se não fosse um ou dois professores cujos nomes mais de 50 anos depois eu recordo, a escola não me tinha ajudado. A escola do meu tempo não incitava à leitura. Os que gostavam de ler era por outras razões, não era por causa da escola.
E a escola de hoje?
Passaram 50 anos e, por razões diferentes, a escola hoje destrói a leitura. Seja com a análise estruturalista e linguística dos textos, seja pela ideia de que escola tem de ser mais a acção e tem de ser mais projecto e mais mil coisas que fazem a nova escola. A leitura na escola é a última das preocupações.
Sendo a Internet uma ameaça à leitura, como diz, o esforço para criar uma literacia computacional desde cedo será um erro?
A literacia computacional não é um erro. Eu tive que aprender, já tarde. De facto, o computador, a informática, a Internet podem transformar-se num instrumento de trabalho, de conhecimento e de comunicação importantes. Acho que todas as pessoas devem aprender a usar essas coisas. 

[...]
Se tivesse a seu cargo um jovem a quem quisesse estimular para a leitura, o que é que lhe ocorre como estratégia para obter esse resultado?
Adequar o tipo de livro à pessoa em causa. Depois, pôr de parte, até muito tarde, tudo o que é instrumento, estrutura, forma. Tudo isso eu punha em milésimo lugar. No essencial, chamar-lhe a atenção para o sentido, para a narrativa, para a história. É como com o amor – ou o sexo, para ser mais bruto e cru: você sabe que os sentimentos amorosos e sexuais têm, algures, uma compo- nente bioquímica. São uns produtos que se chamam feromonas ou lá o que é que desencadeiam umas operações no cérebro, no hipotálamo, no sistema nervoso, mas não é isso que faz o amor. 
Nessas ocasiões não se fala de química.
Você não diz a ninguém: as minhas feromonas e as tuas... Não é isso que conta. O que conta é o sentimento, o ver, o beijar. Isso é que conta. É isso que se deve ir buscar à literatura, não a química.

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