Os números não deixam espaço para o otimismo. É
a conclusão a que se chega quando se toma conhecimento dos dados Uma pesquisa, Retratos da Leitura no Brasil,
encomendada pela Fundação Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência[...] revela que
50% da população do país, ou 88 milhões de pessoas, não leem sequer um livro
por ano. Ao mesmo tempo, aumentou o número de pessoas que afirmaram passar o
tempo de lazer na internet ou vendo televisão – para esses entrevistados, a
leitura não seria uma opção de passatempo.
[...]
A socióloga Zoara Failla, coordenadora do estudo, tenta responder em entrevista
abaixo ao ‘Alô, Professor’.
A pesquisa aponta que o número de
pessoas que preferem ver TV e navegar na internet nas horas de lazer vem
aumentando. Como fazer para o livro ser também uma forma de entretenimento?
Primeiro, entendo que a internet e a TV não roubam leitores. As pessoas que vão
navegar na internet ou ver TV não desenvolveram o hábito de ler por prazer. E
isso, sem dúvida, começa na escola. As escolas em geral não desenvolvem
práticas de leitura. Na verdade, o que se faz é apresentar a leitura como
tarefa, como a obrigação que o estudante terá quando sair da escola. Toda a
questão começa com o despertar do interesse pela leitura.
Já que aumenta o número de pessoas
navegando na internet, não seria o caso de incentivar a leitura nessa
plataforma? Livros digitais, por exemplo, poderiam ajudar a aumentar o número
de leitores?
Quem não gosta de ler não vai procurar livros digitais. A pessoa só vai fazer
isso se gostar de ler. Do contrário, vai para as redes sociais ou para alguma
plataforma de interação. Em geral, o que se lê na internet? Recados, mensagens
cifradas e sem conteúdo. As pessoas se comunicam, disso eu não tenho dúvida.
Mas existe uma diferença grande entre informação e conhecimento. Quem usa a
internet dessa forma não desenvolve conhecimento.
E como se desenvolve o conhecimento?
É importante acessar conteúdos mais complexos, de maior qualidade, que leve a
pessoa a desenvolver capacidade crítica e de concentração. O livro é um
conteúdo mais complexo. Este é o grande problema da informação pasteurizada:
ela não dá vazão ao pensamento crítico. Rouba o tempo da pessoa.
Qual seria a importância da leitura num
sentido prático e mais funcional?
A leitura é importante na vida social e profissional. Na prática profissional,
por exemplo, quem tem capacidade crítica se diferencia, consegue ter um
pensamento mais estratégico, faz relação entre as coisas e tem aptidão para
usar aquilo que aprendeu. Essas qualidades podem ser levadas para a vida
pessoal também.
Como você avalia as campanhas de leitura
promovidas pelo Estado?
Toda campanha de leitura é importante. Há essa tendência de seguir modismos, e
é inegável que uma celebridade dizer que o livro é importante, traz leitores.
Você percebe que as pessoas que são formadoras de opinião têm influência. É
legal fazer o livro entrar na moda. Além de ter bijuteria da celebridade, a
pessoa passa a querer ler a obra que a celebridade está lendo. É como torcer
por um time de futebol: ninguém nasce com um time, ninguém nasce gostando de
futebol. Mas o pai incentiva a criança o tempo todo, estimula-o a gostar de
futebol. Dá bola, camisa – o pai valoriza o esporte, a família valoriza. De
algum jeito é passado para a criança que gostar de futebol é bom. Isso deveria
acontecer com o livro e com questões culturais como um todo.
De que maneira?
É importante ler na frente da criança, presenteá-la com livros, criar jogos de
perguntas sobre o livro que ela está lendo. É importante criar esse espaço da
leitura na vida da criança.
A pesquisa aponta o professor como a pessoa que mais influencia a pessoa a ler.
Qual seria o papel da escola na promoção da leitura?
A escola é um espaço privilegiado. E o professor deve saber ler bem, gostar de
ler. Senão, ele não saberá fazer o marketing correto. Os clássicos são
maravilhosos, mas você tem que ter compreensão do que está lendo para poder
ensinar. E os clássicos exigem conhecimento. Machado de Assis é maravilhoso,
mas é complexo. Pode ser difícil para o aluno ler Machado de Assis. O
importante é tentar identificar do que o adolescente gosta, o que ele quer ler.
E há ‘o livro certo’?
Não! Pode ser Harry Potter, Crepúsculo... Pode ser gibi! O importante é
desenvolver o hábito da leitura, divulgar que há pessoas que não conseguem
dormir sem ler! Com o tempo, o jovem acha o seu caminho, desenvolve o seu gosto.
Como o professor deve lidar com a
diferença de gostos em sala de aula na hora de passar uma obra para ser lida no
semestre?
O professor deve conhecer a sua sala de aula. É preciso escolher o livro que
contemple a maioria. Ou, quem sabe, dar algumas opções, apresentar cinco ou
seis livros. As crianças não são tão diferentes assim. A maioria tem gosto e
interesse parecidos.
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