Algumas das pessoas que embarcaram no
cruzeiro literário Navegar É Preciso, realizado pela Livraria da Vila entre 30
de abril e 4 de maio, já tinham viajado para o Brasil - talvez não para a
Amazônia, andado de bicicleta pela região da Provence, na França, ou estado na
Birmânia. Nunca, no entanto, tinham tido uma experiência como esta: entrar num
barco em Manaus, que subiria o Rio Negro enquanto elas conversavam sobre
literatura com escritores de carne e osso que, sem redoma, sentariam ao lado
delas no café, almoço e jantar. Tampouco os quatro escritores convidados - os
brasileiros Ignácio de Loyola Brandão, Edney Silvestre e Nilton Bonder e o
português de origem angolana Valter Hugo Mãe - tinham vivido algo parecido em
suas peregrinações literárias. E cada um saiu com uma história para contar, e
uma forma diferente de contar o que viu. Uns, por exemplo, vão dizer que
passearam pela floresta alagada por um rio prestes a bater o recorde histórico
de cheia. Valter Hugo Mãe, a la Manoel de Barros, vai contar que navegou
"pelo lugar do voo dos pássaros".
As anotações de Hugo Mãe, aliás, chamaram
a atenção desde o primeiro passeio pela floresta - os debates eram realizados
no barco, mas o grupo saía duas vezes ao dia para conhecer a região. "Eu
ainda não sabia onde estava, e Valter tomava notas", disse Edney.
"Nunca vi ninguém anotar como ele; fiquei surpreso", comentou
Ignácio. E o que ele escreveu no caderninho? Ao ver um cipó, anotou:
"Penso em como seria bom se quando nos feríssemos o sangue regressasse
correndo ao coração, protegendo-se, preferindo permanecer. É um pouco
frustrante perceber que o sangue, definindo tanto a nossa história, em qualquer
oportunidade, nos abandona". Aranha: "Vimos uma aranha que voava com
as patas. Parecia um bicho de fio de cabelo que passava atrapalhada no
ar".
Para ele, a poesia está naquilo que vemos,
e porque as pessoas têm o hábito de reduzir a realidade é que se cria uma
expressão menos valiosa. Tipo, cipó. "Não é uma mentira e nem é uma
analogia. É só uma evidência, mas às vezes estamos tão pouco preparados para
aquilo que é evidente que não conseguimos expressar. Ou quando a expressamos
reduzimos a evidência, como se a realidade fosse demasiadamente fantasiosa para
que não a conseguíssemos apreender de imediato." Curioso que em outro
momento, quando fazia cafuné num pequeno réptil no braço do guia, perguntou o
nome. "É filomedusa." E Valter brincou: "Um sapinho, pronto. Que
mania de complicar".
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